A Insustentável Leveza do Ser (1988)

Napsal uživatel Filipe Manuel Neto 23.01.2024

A Insustentável Leveza do Sexo.

Quando o recentemente falecido Milan Kundera publicou “A Insustentável Leveza do Ser” sabia, provavelmente, que o livro seria amado e odiado. Baseando-se nas filosofias de Friedrich Nietzsche, esboça uma história cheia de erotismo entre quatro personagens em meio às turbulências decorrentes da Primavera de Praga em 1968, e dos “anos de chumbo” que se seguiram. O que este filme fez foi adaptar o romance ao cinema, com algumas alterações e concentrando atenções nas duas personagens centrais da trama.

Eu já li o livro, há muitos anos, e não gostei. No livro, o autor expõe posições filosóficas retiradas das ideias de Nietzsche e onde privilegia o sexo e a busca pelo prazer enquanto relativiza e menoriza o amor. Nenhuma ideia poderia estar mais em desacordo com o meu pensamento pessoal. O que pode, afinal, ser mais passageiro que um orgasmo? De modo subtil, o livro acaba por me dar razão: as personagens vivem vidas muito conturbadas até ao momento em que acham a serenidade que os sentimentos estáveis, como o amor e a amizade, podem trazer à vida de cada um. Por esta curta resenha já se pode antever que não gostei do filme. Decidi, ainda assim, vê-lo devido à quantidade de opiniões positivas que ouvi e à presença de alguns grandes nomes do cinema.

Dirigido por Philip Kaufman, o filme foi feito quase logo a seguir à publicação do livro, mas a adaptação é bastante fraca. O filme concentra-se essencialmente numa coisa: sexo. Não devo estar a exagerar se disser que não conseguimos ver trinta minutos de filme sem termos à frente uma mulher nua ou um casal em pleno acto, e o filme tem quase três horas. Era algo que tinha de fazer parte do filme, dado o conteúdo do livro, mas acho que houve um exagero da parte dos produtores e roteiristas. A nudez está bem presente, sem rodeios, de todos os ângulos, o que torna o filme mais pesado. Com tanta atenção aos detalhes sórdidos, a riquíssima caracterização das personagens de Kundera perdeu-se algures: Tereza não podia parecer mais perdida e confusa, e Tomás foi transformado num maníaco debochado que não pode ver uma mulher na sua frente e não consegue respeitar a sua esposa. Isto chega ao absurdo de conhecermos melhor a personagem Karenin, um cão.

E sobre o enredo político do livro, no qual Kundera expõe a sua aversão ao regime do seu país? O filme diz-nos muito pouco. As imagens da Primavera de Praga são impactantes, em boa parte devido à soberba cinematografia e à maneira como conjugaram o conteúdo de arquivo com o filme em si, e que temos a sensação, a partir daí, de que o controlo das autoridades é sufocante, mas pouco mais nos é dito ou revelado. Novamente, as atenções estão concentradas na nudez e no sexo, e não no que realmente importa no livro original.

De positivo, temos a destacar a actuação do elenco, encabeçado por Daniel Day-Lewis e Juliette Binoche. Day-Lewis é indiscutivelmente um grande actor e tem imenso talento, e a única coisa que nos impede de apreciar mais a sua actuação aqui é a repugnância pela personagem que ele interpreta. Binoche, confesso, já me pareceu muito mais interessante noutras personagens e noutros trabalhos, mas também tem espaço suficiente para brilhar aqui. Eles contam ainda com o apoio de Lena Olin, Derek de Lint e ainda podemos contar com a participação especial de Stellan Skarsgård. A nível técnico, além da cinematografia primorosa de que já falei, temos ainda a excelente recriação da época, palpável em todos os adereços, cenários e figurinos e uma excelente banda sonora.