Nos Jardins do Rei (2015)

Scritto da Filipe Manuel Neto il 20 gennaio, 2023

Apesar de ser simpático e visualmente bonito, é um filme cheio de problemas.

Acho que não é preciso ser-se um historiador ou um amante das artes para reconhecer que o Palácio de Versalhes é uma das construções europeias mais icónicas, não só pelo impacto que teve (foi copiado por quase toda a Europa e ainda hoje serve de inspiração a muitos artistas e a arquitectos) como pelo misticismo que encerra, como ápice do luxo, da sofisticação e do poder, centralizado e ritualizado. É mais que um edifício, é um símbolo.

Este filme foca as suas atenções no enormíssimo jardim e parque do palácio, e inventa ao redor deles uma simpática história, que diz mais da nossa mentalidade do que das pessoas daqueles tempos. Não me interpretem mal: o filme é agradável, mas não devemos nunca pensar que é um filme histórico, ou que alguma das situações ocorreu na vida real. É ficção, e a maioria das personagens também. O rei existiu, claro, mas seria difícil fazer-se passar por um jardineiro do seu próprio palácio. Os jardins foram projectados por André Le Nôtre, e ele também foi o autor dos jardins das Tulherias, em Paris, e dos jardins dos palácios de Chantilly, Fontainebleau e Vaux-le-Vicomte. Mas ele era um velho à data em que os acontecimentos do filme decorrem, e não o homem garboso interpretado por Matthias Schoenaets. Madame de Montespan e Madame de Maintenon existiram, mas a última era mais velha do que a primeira, ao contrário do que este filme nos sugere. Sabine de Barra nunca existiu, e uma mulher nunca teria sido admitida ao serviço naquela função. Não há feminismos nesta sociedade.

Outro problema deste filme é o seu tema central: a ordem e o caos no jardim de Versalhes. Se nós formos honestos acerca disto, não há qualquer espaço para o caos num jardim como o deste palácio. Tudo foi pensado e planeado. Até o tempo em que as plantas da Orangerie são mantidas em estufa fechada! O próprio espaço que Sabine de Barra cria neste filme (e que é, na verdade, uma obra de Le Nôtre, o “Bosquet de la Salle du Ball”) é pura ordem. O jardim formal francês com topiárias, canteiros ordenados, passeios areados, é ordem. Onde está afinal o caos?

O melhor deste filme é, de facto, a enorme qualidade do seu elenco. Kate Winslet é impecável e faz um trabalho muito bom, juntamente com o director/actor Alan Rickman e Stanley Tucci. É Matthias Schoenaets que suja a pintura: não só é jovem demais para o papel de Le Nôtre, como não tem qualquer química romântica com Winslet. Aliás, o problema cai mais na má concepção das personagens, que pensam e se comportam como pessoas do século XXI, na maior parte do tempo (isso inclui algumas descabidas cenas de sexo, como aquela cena dentro da carruagem… quem pensou nisso nunca imaginou o quão desconfortável pode ser viajar horas dentro de uma carruagem daquele período). Helen McCrory é outro problema. Ela faz o que pode, mas a sua personagem é cliché e serve apenas para dar ao marido mais motivos para se atirar no colo de outra mulher.

A nível técnico, gostei bastante dos cenários, todos filmados no Reino Unido, sem colocar os pés em França. Não foi necessário. Os figurinos também são muito bons e não notei anacronismos gritantes ou imperdoáveis nos figurinos, adereços ou cenário. A cinematografia é regular, assim como os diálogos. A banda sonora não é má, faz o seu trabalho com habilidade.