A Chegada (2016)

Escrita por Filipe Manuel Neto em 25 outubro 2022

Um excelente filme, onde o tema principal não é o que parece.

Em geral, não sou muito fã de filmes que envolvam alienígenas… em parte porque me parecem extremamente inverosímeis (não acredito, realmente, que exista outro planeta com seres vivos inteligentes e hábeis como os humanos, ou pelo menos não desenvolvidos o bastante para nos virem visitar). Todavia, gostei bastante deste filme, que aproveita a visita de doze naves vindas de outros mundos para nos fazer questionar a forma como encaramos a passagem do tempo e a sua natureza linear. Aclamado pela crítica, o filme recebeu críticas mistas do público, com uma série de detractores e de admiradores. Eu, pessoalmente, penso que o filme é bom o bastante para merecer a nossa atenção e o nosso respeito.

Para entender o roteiro, é preciso ter em conta que o tema principal do filme não são as naves e a visita alienígena, mas o Tempo, a passagem do tempo e a maneira como o encaramos. Como tal, o filme usa uma narrativa não-linear que pode, por vezes, ser difícil de compreender pelos espectadores: através de sonhos, a protagonista vê a sua filha pequena, e nós somos levados a pensar que ela sonha com coisas do passado, e que ela está agora divorciada e a filha faleceu de doença (penso eu, terá sido de leucemia). Só mais para diante é que percebemos que isso não é bem assim… eu não quero revelar muito mais, mas para entender o filme é preciso considerar bem estes pontos. A visita extraterrestre passa, assim, a ser um autêntico sub-enredo a partir de certa altura, sendo que a real motivação da visita se prende intimamente com a sua língua e escrita circular. Acho que já dei pistas suficientes.

As vantagens deste filme ser como é prendem-se à forma reflexiva e meditativa que assume, e que pode exasperar aqueles que queriam mais acção ou drama. Eu consigo entender que estes públicos se tenham sentido defraudados nas suas espectativas. A narrativa lenta pode às vezes arrastar-se demasiado, e a natureza extremamente científica do filme pode também torná-lo um pouco difícil de entender. No final, a qualidade da trama decai, as coisas tornam-se algo mais cliché e previsíveis, mas eu vi isso como um problema menor.

Gostei do trabalho de Amy Addams, penso que a actriz foi relativamente ignorada pelos jurados dos Óscares naquele ano, e que teria sido justa, no mínimo, a sua nomeação para Melhor Actriz. Ela fez um trabalho com alma, com coração e empenho. Também Jeremy Renner nos brindou com uma excelente performance, talvez mesmo, até ao momento, uma das melhores da sua carreira, juntamente com “Hurt Locker”. Infelizmente, as boas interpretações acabam aqui: há outros excelentes actores, mas não receberam bom material. O caso mais evidente é o de Forest Whittaker, que brilhou em “The Last King of Scotland”, e teve aqui uma personagem plana, sem qualquer desenvolvimento. Mesmo assim, conseguiu fazer muito com o pouco que recebeu.

Apesar de só ter garantido um Óscar, pela Edição de Som, o filme foi nomeado para as estatuetas de Melhor Filme, Melhor Director, Melhor Cinematografia, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição, Melhor Mistura de Som e Melhor Design de Produção. Não conheço bem o trabalho de Dennis Villeneuve, tenho mesmo a impressão de que este foi o primeiro filme dele que eu vi. Portanto, não sou a melhor pessoa para o avaliar. O que posso dizer é que gostei do trabalho do director aqui: ele conseguiu imprimir sentimento e profundidade a um filme que, noutra mão, poderia ter sido só uma desculpa para muitos efeitos visuais e CGI. Os efeitos estão lá, o CGI é bom e funciona muito bem, mas o filme é mais do que isso! A cinematografia também é boa, com muitas cenas enevoadas que são fundamentais para o trabalho de criação e manipulação do ambiente, com o filme a tornar-se cada vez mais tenso e misterioso. A edição também foi muito bem executada, apesar de existirem alguns problemas de ritmo. Por fim, uma palavra de louvor para a banda sonora de Johann Johannsson, e em particular para a escolha da melodia “On the Nature of Daylight”, de Max Richter.