Short Cuts - Cenas da Vida (1993)

Escrita por Filipe Manuel Neto em 31 agosto 2022

Um elenco enorme e cheio de nomes conhecidos, onde cada um faz o seu trabalho muito bem… mas sem compromisso, sem emoção e sob um roteiro tão intrincado que deixa qualquer um perdido.

Normalmente, eu sou muito crítico para com filmes com maus roteiros, ou roteiros fracos. É um problema recorrente no cinema. Este filme, todavia, comete o erro oposto: o roteiro é excessivo, tem tantas personagens e tantos sub-enredos interligados que é quase preciso fazer diagramas e esquemas num quadro para conseguir acompanhar o que se passa. Eu cheguei quase a meio do filme e já não sabia bem quem era quem.

O filme começa com uma frota de helicópteros a espalhar qualquer coisa sobre os céus de Los Angeles. Eu, que era muito novo quando o filme foi feito, tive de ir pesquisar para perceber que estavam eles a fazer: a pulverizar um insecticida para combater moscas, coisa que eu nunca vira no meio de uma cidade. Depois, o filme começa a apresentar-nos uma multidão de personagens e as suas histórias quotidianas: temos vários casais da classe média, cada um com os problemas da sua vida, temos um motorista de limusinas casado com uma empregada de uma cafetaria, o piloto de um dos helicópteros, uma operadora de uma linha erótica com marido e filhos… e vamos acompanhando os problemas diários destes casais e famílias. O filme tenta dar-nos um retracto de pessoas comuns e das suas vidas, mas fá-lo de forma excessivamente desapaixonada e descomprometida, não nos conseguindo transmitir as emoções das personagens, com que não temos qualquer ligação particular. O único sub-enredo que procura enveredar pelo meio mais emocional (o da criança) acaba por ser tão melodramático e excessivo que perde credibilidade.

Tecnicamente, este filme é discreto e não aposta muito em nada vistoso. A cinematografia é o padrão usado naquela época, os efeitos especiais e visuais funcionam razoavelmente, mas não nos surpreendem, os cenários e figurinos são regulares. O trabalho de edição foi bem feito, mas o filme, com as suas três horas de duração, torna-se um pouco cansativo, principalmente pela nossa incapacidade de nos ligarmos verdadeiramente às personagens e àquilo que vamos vendo no filme.

O que salva este filme, de forma decisiva, é o enormíssimo elenco de grandes actores, e o modo como cada um, de modo muito individual, faz um excelente trabalho de interpretação. O filme, de facto, parece uma montra do que Hollywood tinha de melhor no início dos anos 90. Bruce Davison, Fred Ward, Lily Tomlin, Tom Waits, Anne Archer, Andie MacDowell, Chris Penn, Robert Downey Jr., Lily Taylor, Madeleine Stowe, Tim Robbins, Jennifer Jason Leigh, Julianne Moore, Peter Gallagher, Matthew Modine, Frances McDormand… diga um nome e está lá! Cada um no seu papel, cada um tentando fazer o melhor, mas cada um por si. O filme funciona muito bem como exercício dramático e permite a cada actor exibir o melhor que sabe fazer. Mesmo assim, falta emoção, falta compromisso, falta intensidade.