A Rainha Branca (2013)

Written by Filipe Manuel Neto on August 30, 2022

Uma mini-série bem feita sobre mulheres e o seu papel político numa altura conturbada da história.

Já vi algumas séries de época e quase todos eles se destacam pelas mesmas razões e caem nas mesmas armadilhas. Recordo, especialmente, a famosa e bem-sucedida série Os Tudors e outra, menos conhecida, Os Bórgias, mas há outras. E após ter visto estas séries, eu sinto que são parecidas entre si, embora abordem épocas, contextos, figuras e geografias distintas. Há até quem diga, e entendo o motivo, que a mini-série (uma só temporada, dez episódios) é uma prequela a Tudors. Não é, o elenco ou equipa técnica são outros, mas podia ser.

O período histórico abarcado, de cerca de trinta anos, começa na ascensão ao trono da Casa de Iorque pela mão de Eduardo IV, após a deposição do instável rei Henrique VI e da primeira fase da Guerra das Rosas. Boa parte da série irá focar-se na figura deste voluntarioso e carismático monarca e na do seu chefe militar, Ricardo Neville, Conde de Warwick. Porém, o prato forte da série são as mulheres e a sua capacidade de influência: o rei faz um controverso casamento com Isabel Rivers, lesando os interesses de Warwick e criando uma rivalidade entre os clãs Neville e Rivers. O “Fazedor de Reis” irá então para França, ajoelhar-se à frente de outra poderosa mulher: Margarida de Anjou, esposa do rei deposto, a qual usou as suas ligações à realeza francesa para angariar dinheiro, apoiantes e mercenários para a Casa de Lancastre.

Num tempo em que os nobres tinham poder e dinheiro para armar tropas por si, o apoio da alta nobreza ditava a maré dos acontecimentos. A série mostra isso através dos Stanley (dois irmãos que, por estratégia, se colocam nos dois lados do conflito) e dos Neville, que dão a Henrique VI os meios para uma breve restauração que acaba na sua morte, na Torre de Londres, e na morte de Ricardo Neville na Batalha de Barnet. Isso neutralizou o poder da família, com as suas filhas a casarem com príncipes Iorque, que dividiram o património familiar integrando-o na Coroa. No entanto, e mantendo-se fiel ao material da romancista Philippa Gregory, a série dá relevância a estas damas, particularmente Ana Neville, que casa com o herdeiro Lancastre e, após enviuvar, com o futuro Ricardo III. Pessoalmente, tenho muitas dúvidas aqui: tudo indica que Ana, longe de ser a mulher forte e influente que é mostrada, foi apenas um peão num jogo onde teve pouco a dizer. A série termina na derrota e morte de Ricardo III, às mãos das tropas de Henrique Tudor.

Peço desculpa se exagerei na análise aos factos históricos, mas sendo historiador, achei ser pertinente falar um pouco disso. Por outro lado, sinto que não digo nada que se não possa saber pela Internet ou por um bom livro de história inglesa. A série é boa e é interessante, muito embora eu tenha observado alguns erros que não se compreendem: as mulheres com a cabeça descoberta, nobres a combaterem a pé e sem elmo, raças que cães que não existiam na época, etc. É nestes detalhes que observamos a capacidade de uma série ser fiel à verdade histórica. Mesmo assim, a série saiu-se algo melhor neste ponto do que “Tudors”, por exemplo.

O elenco é bom, ainda que por vezes as actuações sejam anacrónicas (às vezes, as personagens soam e comportam-se como pessoas do nosso tempo) e os diálogos sejam novelescos. Rebecca Ferguson merece aplausos pelo trabalho bem feito e convincente, tal como Max Irons, Aneurin Barnard, David Oakes, Tom Mckay, Rupert Graves e James Frain. Os actores entregaram-se às personagens e tentaram ser autênticos, ainda que possam não ter recebido sempre o melhor material. Pela negativa, Amanda Hale exagera e torna a sua personagem uma fanática à beira da loucura e Faye Marsay faz o que pode com a sua personagem, mas vai assumindo atitudes e gestos cada vez mais contemporâneos. Gostei do trabalho de Janet McTeer, mas preferia uma actriz francófona no papel, porque a personagem caracterizada era francesa de origem.

Tecnicamente, a série é bastante elegante e aproveita da melhor forma os cenários belgas onde foi filmada, entre Gand, Bruges e Ypres. Igualmente bem feitos, os figurinos parecem adequados para a época, com excepção da gritante ausência de chapéus e de coberturas de cabeça ou véus, parte essencial da moda então, como a pintura tão expressivamente nos revela. A fotografia e o trabalho de filmagem foram muito bem-executados, os efeitos funcionam bem, o ‘design’ dos créditos iniciais é muito bem feito e a banda sonora é razoavelmente boa.