A História Sem Fim 3 (1994)

Written by Filipe Manuel Neto on November 29, 2020

Só a comédia redime este filme.

Não há duas sem três, diz o ditado popular. E o terceiro filme da trilogia “História Interminável” é seguramente o mais impopular e desagradável de todos. E eu consigo perceber a razão: quase se torna um insulto aos admiradores do primeiro filme.

Neste filme, Bastian é um pré-adolescente que se muda com o pai para uma nova casa, onde vai viver com uma madrasta e a filha dela de um primeiro casamento. Além da nova família e da nova cidade, vai ter de ir para uma nova escola onde há alunos muito mais velhos. E um grupo em particular, os Nasties, vai dedicar-se a fazer-lhe a vida num inferno. Por coincidência (uma das que só acontecem em filmes), o bibliotecário da escola é Koreander, o bibliófilo. E é claro que o livro “A História Interminável” está lá. Providencial! Bastian foge para Fantasia como se o livro fosse um portal mágico. Lá encontra a Imperatriz, agora uma beldade em idade de casar, mas para azar de todos o livro fica em poder dos Nasties, que cedo percebem o seu potencial e começam a destruir Fantasia. Cabe a Bastian recuperar o livro e restaurar a ordem, se no meio do processo for capaz de recuperar também o Auryn, que a sua nova irmã vai usar para conseguir todas a roupa que sempre quis.

O filme é realmente uma total estupidez se pensarmos nos dois antecessores: todo o conceito envolvendo a história original (o poder da imaginação, da criatividade, o valor da leitura) é pervertido para criar um filme onde seres fantásticos entram e saem do nosso mundo e, pelo acto de pegar num livro, podemos ir cair num mundo surreal e fantástico. Isso foi a pior coisa do filme. Nos outros filmes, a viagem a Fantasia era mais mental e funcionava melhor como tal na medida em que era algo mais consonante com a mensagem do filme: a importância que as pessoas devem dar à leitura, à criatividade e ao uso da imaginação. Apesar disso, o filme até nem é tão mau se esquecermos os anteriores. E isso deve-se a um factor: é eficaz na comédia. De facto, há momentos cómicos suficientes para o conseguirmos engolir, se não o levarmos a sério. Os diálogos têm muitas tiradas espirituosas que soam engraçadas e muita comédia situacional eficaz, tornando o filme mais palatável do que seria de esperar.

O elenco conta com um nome bastante reconhecível que até podíamos pensar que assinou o contracto por engano: Jack Black sempre se assumiu como um fã do primeiro filme e deve ter ficado empolgado com o projecto, o que justifica porque nunca mais quis falar deste filme. Eu também me sentiria traído nas minhas expectativas. Mesmo assim, ele actuou bem e fez um trabalho positivo como actor. Jason Richter foi suficientemente bom como Bastian e a bonita Julie Cox foi uma imperatriz decente, mas não há material decente para eles os dois, e ele limita-se a correr de um lado para o outro como um bombeiro, enquanto foge de uns para tentar encontrar outros e ela vai assistindo a tudo pela “televisão”. Melody Kay não esteve à altura do desafio e é irritante, tal como os pais. Freddie Jones foi desinteressante, tendo sido mais feliz no papel do Velho da Montanha do que no papel de Koreander, que está a mais e é só um gancho para trazer o livro até Bastian. O grupo de vilões é cliché e desinteressante, mais aborrecido do que realmente intimidante.

Tecnicamente, o filme é uma sombra quando comparado aos dois antecessores e pauta-se por uma pobreza franciscana quanto aos aspectos técnicos: uma cinematografia desinteressante e cores lavadas não apela à beleza visual, e os maus cenários e péssimo CGI tornaram Fantasia o mundo fantástico mais deprimente do cinema. Os efeitos também acrescentam pouca beleza ao filme e os figurinos não convencem. O pior de tudo foi, no entanto, a má concepção das criaturas mágicas, que nunca pareceram tão artificiais e feias como até aqui: os anões são tão interessantes que passam, literalmente, a maioria do filme dentro de uma caixa de papelão, ao passo que o filho do Comedor de Pedras é simplesmente enjoativo e percebe-se, claramente, que é um fato feito de espuma. No tocante ao som, temos efeitos sonoros maus, uma música incidental horrível e uma banda sonora quase inexistente e onde impera uma versão muito feia da famosa canção Born To Be Wild, totalmente a despropósito.