El Cid (1961)

Written by Filipe Manuel Neto on oktober 9, 2020

Relativamente fiel à lenda de El Cid, escorrega nos aspectos técnicos, tem diálogos verdadeiramente horríveis e uma trama romântica insuportável.

Estava um pouco receoso acerca deste filme, confesso. Já conheço a forma como os filmes dos EUA retorcem a verdade histórica para fazer belas histórias que nunca existiram. Porém, o que este filme nos traz é uma história, romanceada claro, mas muito próxima da lenda original e do que terá realmente sido a vida de El Cid.

De acordo com a história, Rodrigo Dias de Bivar foi um caudilho militar do período inicial da Reconquista. Para aqueles que não sabem ou que ainda não viram o filme, a Reconquista é um longo processo de cerca de 350 anos em que os cristãos vão recuperar o território conquistado pelos muçulmanos na Península Ibérica no ano de 711. Ao longo do processo, o reino cristão inicial das Astúrias irá dividir-se-á em vários reinos separados: Leão, Castela, Navarra, Aragão e Portugal, além do efémero reino galego e do condado da Catalunha. Quando o filme começa, os territórios cristãos estão agrupados sob a coroa de Fernando I de Leão, “o Magno”. Porém, quando este morre, o reino é dividido entre os seus cinco filhos (o filme mostra apenas três): Sancho II herdou Castela, Afonso VI herdou Leão; Garcia herdou a Galiza; Elvira herdou a cidade de Toro e Urraca herdou a cidade de Zamora. Passado muito pouco tempo, os irmãos entram em guerra, reclamando a totalidade da herança paterna. Tudo isto é mais do que um roteiro: faz parte da história de Espanha e de Portugal. É aqui que entra para a história Rodrigo Dias, um combatente honrado e tolerante a quem os muçulmanos intitularam “Sidi” ou “Cid” em sinal de respeito. Servidor e amigo de Sancho II, cai em desgraça com a vitória de Afonso VI, forçando mesmo Afonso a um juramento incómodo, que o filme nos mostra.

A partir daqui, os relatos divergem e também o roteiro do filme: a verdade histórica diz-nos que Cid foi desterrado e se tornou numa espécie de mercenário, combatendo por fortuna, do lado dos cristãos ou do lado muçulmano. O filme prefere ocultar isto. Com o tempo, recrutou homens suficientes para formar um exército pessoal e formar um reino próprio na região de Aragão, a que uniu o reino de Valência por conquista, ali derrotando os Almorávidas, facção muçulmana poderosa que invadiu a península e quis reunificar o poder muçulmano, entregue a principados independentes chamados taifas. Actualmente, os seus restos mortais repousam na Catedral de Burgos e é considerado um dos grandes heróis de Espanha.

Pessoalmente, não tenho muito a apontar ao roteiro ou à forma como o filme mostra as suas personagens. Acho que deviam ter mostrado os filhos do rei Fernando I que faltam aqui, e que a relação de amizade entre Sancho II e El Cid é pouco explorada. Mas o que mais me irritou foram os diálogos terrivelmente maus, excessivamente teatrais e por vezes parvos, além da péssima dicção dos actores, que não são capazes de pronunciar correctamente termos de raiz hispânica (Jimena soa como “Ximeine” e Bivar parece-se com “Vevar”). Custa realmente ouvir os actores deste filme! Outro problema são as excessivas três horas de duração, talvez fruto do mau trabalho de edição e pós-produção: o enredo corre lindamente na primeira hora e meia de filme mas depois enreda-se em avanços e recuos confusos, com cenas que parecem estar fora do lugar.

O elenco é liderado por dois actores de grande mérito: Charlton Heston e Sophia Loren. Eles são bons quando separados: Heston é um dos grandes actores épicos do seu tempo, tem um carisma inegável e estava totalmente confortável com o papel que lhe foi dado; Loren também parece estar bastante à vontade com a personagem dela. O pior é quando ambos se juntam e tentam funcionar como par romântico… a química é tão negativa que até senti frio, e as cenas românticas de ambos são as mais insuportáveis do filme. No elenco secundário podemos ver ainda participações bastante satisfatórias de Raf Vallone, John Fraser, Gary Raymond e Douglas Wilmer. Não gostei da participação de Geneviève Page, a forma como ela agia nunca me pareceu credível, e o facto de ser tão absolutamente loira combina muito pouco com uma princesa hispânica.

Tecnicamente, é um filme grandioso em todos os aspectos, e tudo nele grita a palavra “épico” bastante alto. A cinematografia e o tecnicolor parecem bons, embora por vezes pareça usar demasiada luz. Os cenários e figurinos parecem incríveis visualmente, mas são seguramente pouco realistas do ponto de vista histórico: muitas das armas e armaduras usadas no filme só surgirão em períodos mais tardios da Idade Média, por exemplo, e os castelos mostrados são também claramente obras dos séculos XIV e XV. As cenas de acção e de batalha são óptimas e foram lindamente encenadas com todos aqueles figurinos e muito empenho e dedicação por parte da produção. A banda sonora, da autoria do mestre Miklós Rózsa, é grandiosa e fica no ouvido.