Cassino (1995)

Escrita por Filipe Manuel Neto em 16 abril 2020

Apesar das comparações serem naturais, é bastante mais brutal e cínico do que "Tudo Bons Rapazes" e merece ser apreciado pelo que é.

Não sabia, quando fui ver este filme, que havia uma história verdadeira por trás. Mas isso foi algo que me saltou aos olhos, pela maneira como o filme apresenta a trama. Acabou por se tornar evidente que havia algo e isso foi um bónus num filme que, por si só, já é capaz de se revelar excelente. Apesar de todas as comparações com "Tudo Bons Rapazes", (eu mesmo não pude deixar de as fazer), não me parece que Scorcese tenha tentado repetir a dose, embora seja inegável que gosta de fazer filmes deste género, envolvendo a máfia ou o crime organizado ("O Irlandês", recentemente, e "O Lobo de Wall Street", por exemplo, para não mencionar o óbvio "Bons Rapazes").

O roteiro mostra a forma como dois mafiosos de Chicago conseguem controlar e dirigir um casino em Las Vegas até que os problemas conjugais, a traição e desconfiança, os vícios, a ganância e a brutalidade acabaram por levar à sua queda. Há uma série de sub-enredos que se vão desenvolvendo igualmente, mas tudo é brilhantemente orquestrado e conjugado por Scorcese. O filme tem todo o estilo dele e as suas três horas passam de forma rápida. O ambiente pesado, a violência brutal e crua, o uso corrente de calão e palavrões, tudo faz parte de um estilo que Scorcese associou aos seus filmes de gangsters. A cena de tortura onde a cabeça de um tipo foi esborrachada num torno é digna de antologia, e da mesma forma algumas das cenas onde Pesci se enfurece e começa a espancar brutalmente quem tem na frente.

Robert De Niro é um daqueles actores que nunca, ou quase nunca, falha. Ele trabalha lindamente com Scorcese, tal como Pesci. Os três colaboraram maravilhosamente aqui, e o resultado é uma combinação harmoniosa entre o trabalho do realizador e dos dois principais actores. Não há um momento fora de tom. A performance de Pesci foi mesmo a melhor da sua carreira, muito mais maturada e profunda que em "Tudo Bons Rapazes". Sharon Stone, por sua vez, teve de encarar uma personagem difícil, em que a beleza se associa a um certo espírito de sobrevivência e a um ciclo vicioso que acaba por levar a personagem à auto-destruição. É uma personagem que requer beleza, sensualidade, mas também imensa profundidade psicológica, e a actriz conseguiu-o brilhantemente, sendo mesmo nomeada ao Óscar de Melhor Actriz Secundária nesse ano e vencendo o Globo de Ouro na mesma categoria. Ela, tal como Pesci, consegue neste filme um dos melhores desempenhos da sua carreira (ou pelo menos de tudo o que eu já vi até agora). Além destes actores, o filme conta com boas adições como James Woods, Don Rickles, Kevin Pollak, Pasquale Cajano e Vinny Vella, entre outros.

Tecnicamente, é irrepreensível. Filmado no interior de um casino real durante as horas de encerramento, não se podia exigir cenário melhor ou mais pormenorizado. A fotografia e o trabalho de câmara foram também meticulosamente bem feitos e a edição, mistura e trabalho de pós-produção não têm mácula. O ritmo é bom, com as cenas tão bem encadeadas que toda a história é clara para o público, apesar das três horas de duração. Por fim, uma palavra para a banda sonora, que se harmoniza perfeitamente com o que o filme mostra e o ambiente geral.

Este filme não se limita a seguir na linha de "Tudo Bons Rapazes", muito embora haja semelhanças de estilo que derivam da presença do mesmo realizador e actores principais. É um filme diferente, menos simpático talvez, mais brutal, realista, intenso, por vezes cínico e profundamente crítico. Vale definitivamente a pena.