A Bíblia (1966)

Escrita por Filipe Manuel Neto em 25 outubro 2020

Longo demais e tão pesado que se torna aborrecido.

Este filme foi dirigido por John Huston e lançado numa altura em que os grandes épicos de fundo bíblico ainda eram uma tendência relevante e popular no cinema. Não tenho nada contra esses filmes, aliás alguns deles (Dez Mandamentos, Ben Hur e outros) são tão bons que eu os incluiria facilmente numa lista dos cem melhores filmes lançados até hoje. Porém, há também imensos filmes que tentaram mas não conseguiram passar o teste do tempo e vingar da mesma forma. Este é um deles… e ao ler a minha crítica compreender-se-á o porquê.

Não vou perder tempo a analisar o enredo porque quem tiver uma Bíblia em casa ou tiver ido à catequese em criança sabe de cor tudo o que aparece neste filme. Basta-me dizer que ele adapta ao cinema toda a primeira parte do livro do Génesis, desde a criação até ao sacrifício de Isaac por Abraão, o seu pai. A parte positiva deste enredo é trazer ao cinema uma parte da Bíblia que não foi tão utilizada nem tão explorada pela sétima arte. Huston fez o melhor que podia para nos dar um filme que respeita o material de origem, mas falhou bastante no ritmo e na edição. Será que o respeito se transformou em melindre? O director parece estar a pisar ovos, e recear fazer os cortes necessários na sala de pós-produção. O resultado é um filme lento, pesado e enorme, com três horas desnecessárias e que o roteiro não justifica.

O elenco é composto por uma série de grandes actores, mas apenas alguns deles terão tempo e material à altura do seu talento e terão de esperar outros filmes para mostrarem todo o seu valor. Pessoalmente, destacaria o trabalho de George C. Scott como Abraão, de John Huston como Noé e ainda de Ava Gardner, que deu vida a Sara e nos dá a melhor personagem feminina num filme cheio de homens de Deus. Não muito abaixo, temos as excelentes interpretações de Michael Parks (que deu vida a Adão) e de Stephen Boyd, totalmente a vontade no papel de Nimrod, mas prejudicado pelo pouco tempo de que dispôs. Richard Harris e Ulla Bergryd foram ambos satisfatórios (como Caim e com Eva, respectivamente), mas também não tiveram tempo para mais. Peter O’Toole só aparece fugazmente, no papel de um anjo. O restante elenco não interessa muito, e aparece porque tem de aparecer.

Tecnicamente, o filme é verdadeiramente bom e aproveita todo o orçamento de que dispõe, e que terá sido considerável. A cinematografia é muito boa, com excelente uso da luz e da cor, e o trabalho de câmara é competente. As paisagens desérticas combinam bastante bem com o que esperamos ver na região israelita e ficam lindas na tela grande. Os figurinos são bons e estão mais ou menos dentro do esperado (o destaque, pela negativa, vai para algumas armas e armaduras no período de Noé, que parecem inspiradas em modelos muito posteriores) e os cenários são verdadeiramente bem-feitos e credíveis: eu gostei especialmente das ruínas de Sodoma, tão realistas que permitem imaginar um genuíno local arqueológico, e confesso que detestei a Arca de Noé, tão grosseira que parece produto de um desenho infantil. Por fim, uma última palavra para a banda sonora: é muito boa e épica, apesar de ter sido mal aproveitada pois muitas cenas do filme, por serem desprovidas de um acompanhamento musical de fundo, parecem ainda mais pesadas e aborrecidas do que realmente são. Vejam-se alguns filmes como Sansão e Dalila e Quo Vadis, e compare-se a forma como a banda sonora foi usada.