O vírus encontrou-me na Sicília, onde estava a gravar o meu filme. Permitiu-me testemunhar a tragédia e o heroísmo italianos, e a gloriosa primavera siciliana. O tempo parou por um momento, mas este parece ter uma dimensão diferente aqui.

A situação na qual a pandemia nos colocou dá a sensação de estarmos no deserto. É uma altura para nos encontrarmos a nós próprios. Filtrar a memória, registar sismos internos, fitar carros e adivinhar a sorte nos rastos de fumo.

É um filme que revela o quanto nos fechámos mais nas nossas bolhas, apesar de termos tantas formas de comunicar à distância.

Hoje, quando sei o que resultou disto, posso dizer que, ao fazer a minha curta, mergulhei no Aqui e Agora, em vez do Lá e Depois. Afinal, passaram quase três meses.

Ficar à espera durante a pandemia é especial. Todos experienciam isso de forma diferente. Entretanto, ficamos à espera… de outra coisa.

Confinamento – a altura de nos retirarmos para o nosso “eu” interior – tudo o que está online se torna uma ilusão. Qual das realidades é mesmo real?

A passagem do tempo durante a pandemia tornou-se a minha personagem. O mundo ficou parado, assim como a câmara na minha varanda. Observo um estilhaço do mundo numa moldura e um fragmento do tempo no qual todos nos encontramos.

A polifonia de artistas tem-me fascinado. Não me recordo de um tempo no qual nos manifestávamos juntos. É muito raro no nosso país. Somos solistas natos e, de repente, ouvem-se as vozes de todos.

A primeira coisa que me vem à cabeça… restrições, também no nosso campo de visão. Ao ficar em casa, vemos apenas um fragmento estreito da realidade, mas ansiamos por ver muito mais.

Ao trabalhar no jardim, reparamos que o tempo não é linear; ele tende a tornar tudo irreal e faz-nos parecer um caracol virtual a carregar uma casa espiralada nas costas.

O confinamento desafiou famílias, a paciência e o amor. Eu queria captar a sensação de que, enquanto nos tentamos proteger do vírus, somos infetados por outra coisa.

Confinados em casa durante a quarentena obrigatória, debatemo-nos para compreender e descrever o que se passava, enquanto captávamos a realidade dos acontecimentos.

Gosto da ansiedade. Gosto de interpretá-la e observá-la. Razão pela qual criar algo nestes tempos invulgares, quando a ansiedade obrigatória é experienciada pela humanidade inteira, me pareceu particularmente interessante.