The Nightmare of António Maria (1923)

Written by Paulo Cambraia on September 23, 2012

O PESADELO DE ANTÓNIO MARIA é o mais antigo filme de animação português que se conhece. Foi realizado pelo caricaturista Joaquim Guerreiro e estreado a 25 de Janeiro de 1923.

Apresentado como sketch na peça revisteira Tiro ao Alvo, em cena no Eden-Teatro em Lisboa, o filme representa António Maria da Silva, então Presidente do Ministério da 1ª República que, “depois de uma conferencia com os collegas sobre carestia da vida, ensino religioso e outras coisas gráves, resolve descançar até ámanhã.”

No caminho para casa interpela um G.N.R.: “ - Com que então, não cassaste por ahi nenhuma bomba? Nem ao menos um bolshivista?” Continuando o seu caminho, cruza-se com um bêbado que clama “ - Viva a libardade. Abaixo a carastia e o ensino...” Chegado a casa, cheio de cautelas, espreita cuidadosamente antes de entrar no quarto. Pendurado na parede está um retrato de Afonso Costa, figura proeminente da 1ª República, com o qual António Maria estabelece um monólogo. Vestindo a roupa de dormir, deita-se, adormece e... sonha. Ou antes, tem um pesadelo. Uma manifestação do proletariado grita e avança “ - Viva a libardade. Abaixo a carastia e o ensino...”, anarco-sindicalistas agitam-se e lançam bombas “ - O proletario reclama e nós tambem... Pum... Pum... Vae tudo razo.” Estalam petardos. Acordando subitamente e apercebendo-se de que “- Afinal, tudo isto era o tal... Pesadêlo (um bichinho incómodo)”, António Maria ri-se, e ri-se, e ri-se. “ – E S.Ex.cia resolveu ir ao Tiro ao Alvo depois das conferencias ministerais para não ter mais pesadêlos.”

Este filme pioneiro, peça importante da História do Cinema Português de Animação, é um retrato da época. Em Agosto de 1922, poucos meses antes da estreia do filme, rebentamentos de petardos e uma greve geral contra a carestia de vida tinham levado à declaração do estado de sítio em Lisboa e arredores. Durante 15 dias os direitos constitucionais estiveram suspensos. A 30 de Dezembro de 1922 constituiu-se formalmente a U.R.S.S., bolchevista. Em Fevereiro de 1923, pouco depois da estreia do filme, iniciar-se-ia um movimento nacional contra o aumento do preço do pão. Em Lisboa iriam deflagrar bombas como forma de protesto contra a alteração do horário de trabalho dos metalúrgicos. Tempos conturbados.

Passado o momento, o filme desapareceu. Que se saiba, da película original não sobreviveu qualquer metragem. No entanto, os 159 desenhos originais e 8 legendas manuscritas sobreviveram até aos nossos dias, intactos, constituindo o mais antigo material original que se conhece relacionado com o Cinema Português de Animação. Fazem hoje parte da Colecção Ricon Peres e estão depositados no Museu da Presidência da República.

Em 2001 foi feita uma reconstituição baseada em fotocópias dos desenhos originais, tornando possível a divulgação daquele que é considerado o primeiro filme de animação português.

Em 2006 a reconstituição foi refeita, utilizando-se então fotografias dos desenhos originais, mas mantendo a mesma carta de rodagem de 2001.

Estas reconstituições são © Paulo Cambraia, registo IGAC nº. 473/2003